Aos 95 anos, o primeiro bailarino do Ceará ainda frequenta a escola de dança que fundou há mais de meio século. Hugo Bianchi faz questão de incentivar e acompanhar a formação dos seus alunos e alunas, ofício ao qual dedicou toda sua vida.
Nascido em 29 de abril 1926 em Fortaleza, Hugo Alves Mesquita decidiu tornar-se artista numa época em que não havia escola profissional na cidade. Sonhar além do que via ao seu redor, e persistir no que parecia inacessível foi uma decisão o que mudou sua vida e o cenário da dança no Ceará. A inclinação artística começou quando ainda era estudante no Ginásio Santa Maria, que viria a ser o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, época em que já brincava com as apresentações de pastoril e peças amadoras. Na dança, começou como autodidata, escolhendo como mestres os dançarinos Gene Kelly e Fred Astaire nos musicais que via na tela do extinto Cine Diogo, umas das primeiras salas de exibição da capital. Aos dezoito anos, o jovem era assíduo frequentador do Theatro José de Alencar, o que o fez ser indicado do próprio administrador do TJA para a entrar no elenco da Companhia da atriz juazeirense Marquise Branca e excursionar pelo Norte e Nordeste, sua primeira experiência em turnê. Para se profissionalizar, o bailarino teve que cumprir o périplo de muitos artistas pioneiros: aventurar-se em outras terras para desenvolver o talento que sabiam ter. Em 1948, aos 22 anos, ele partia em uma viagem de doze dias de navio para chegar ao Rio de Janeiro, com o objetivo de estudar a técnica na dança clássica. Sem conhecer ninguém, chegou a dormir na rua, nos bancos da Praça Paris, no bairro da Glória. Na Praça Tiradentes, seu caminho cruza com um conterrâneo, ele o apresenta ao empresário e à coreógrafa do Teatro Carlos Câmara, Madame Lou, que aprovou o ingresso de Hugo Bianchi no corpo de baile ao lado dos principais bailarinos da cidade. Se no início precisou aprender sozinho, agora estava ao lado de grandes nomes nacionais e internacionais, como Tatiana Leskowa, Maria Olenewa, Berta Rosanova, Davi Dupret, Dennis Grey. No Teatro de Revista, fez parte da mesma companhia de Teatro de Grande Otelo e Dercy Gonçalves. Em 1951, volta à Fortaleza, onde começa a ser requisitado para dar aulas às moças ricas da cidade. Três anos depois regressa ao Rio e torna-se pupilo da coreógrafa Eros Volúsia, no elenco do Serviço Nacional de Teatro, parceria que dura cerca de uma década. Em 1966, ele funda o Ballet Hugo Bianchi, a sua escola, ainda em atividade. Ao longo de cinquenta e quatro anos, coreografou espetáculos magistrais do balé clássico como Giselle, Otelo, A Valsa Proibida, O Quebra Nozes, Lago dos Cisnes, muitos deles encenados no Theatro José de Alencar, onde Bianchi deu os primeiros passos. Hoje, a Sala de Dança do TJA leva seu nome, um dos principais reconhecimentos ao mestre. Há mais de quatro décadas, Hugo Bianchi parou de dançar, passando a dedicar-se exclusivamente ao ensino do balé. Seus alunos e alunas fundaram academias de dança, renovando as gerações de dançarinos e consolidando essa arte. Ele ainda tem a voz firme e enérgica para orientar a carreira de seus aprendizes: “precisa fazer aula, só o talento não resolve não”. Bianchi é a prova viva de que é possível ousar uma carreira na dança, mas para isso é preciso persistência. Nos ensaios para os espetáculos da companhia, está sempre presente em seu banco na sala de espelho, corrigindo e orientando as bailarinas. Considerado uma das danças nobres, muitas vezes inacessível à apreciação de pessoas comuns, no Ceará o balé chegou a lugares que pareciam impossíveis seis décadas atrás, quando ele iniciou sua carreira. “Quando eu cheguei, o balé era muito difícil, mas depois os cearenses começaram a gostar”, percebe ele. |